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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Diz que é uma espécie de currículo - I

Rádio Renascença 1962
1962 – Entrei na rádio pelo Programa Nova Vaga, com outros jovens de então, nas tardes de sábado de Rádio Renascença: Fernando Correia (actual membro do Conselho de Opinião), João Mota, Lauro António, Dinis de Abreu, Daniel Ricardo, Maria do Céu Guerra e João Paulo Guerra. Programa de microfone aberto em directo para o gravador do José Manuel Moreno Pinto. Foi assim: o Dinis de Abreu, jovem jornalista no Diário Popular, formou a equipa e perguntou a minha mãe, Maria Carlota Álvares da Guerra, chefe de redacção da Crónica Feminina e cronista na RR, se conhecia jovens que quisessem participar no programa: entrei eu e a Maria do Céu, minha irmã; eu acabei por ficar na rádio, a Maria do Céu Guerra foi para o teatro. 
Quando a Nova Vaga acabou – e foi rapidamente – Joaquim Pedro convidou-me para ficar a estagiar como locutor na RR. Lia anúncios de estação – Rádio Renascença, Emissora Católica Portuguesa –, ligações e lançamentos entre programas, passagens à Basílica dos Mártires para o Terço e Bênção, o estágio era acompanhado por locutores consagrados da estação como Joaquim Pedro, Dora Maria, Maria José Baião, Luís Filipe Aguiar. Também “estagiava” vendo fazer e ouvindo João Martins, Armando Marques Ferreira, António Revés, e observando de perto o trabalho de técnicos como José Manuel Moreno Pinto, Alberto Moreno, José Ribeiro, António Ricardo.
Primeiro plano: JPG, Jorge Balsa, José Dias, António Ricardo e José Videira;
segundo plano: Moreno Pinto, Franquelim Rodrigues, José Neves de Sousa,
padre Miguel, NN, NN e Fernando de Almeida (treinador)
Em 1963, um ano após o início do estágio, recebi convite para me mudar para o Serviço de Noticiários do Rádio Clube Português. Na RR eu também dava notícias – recortadas dos jornais e coladas numa folha de papel: “O Senhor Presidente do Conselho recebeu hoje o senhor ministro da Defesa com quem o vemos na gravura acima”. De maneira que aceitei de primeira o convite, vindo do Luís Filipe Costa e transmitido pelo Matos Maia. O último acto em que participei como estagiário da RR foi um jogo de futebol contra o RCP. Perdemos.


Entrei para o RCP em Outubro de 1963 – descontei desde essa data para a Segurança Social, mesmo no tempo em que estive no serviço militar, em Portugal e Moçambique, pois o RCP procedeu sempre aos descontos. Soube-o quando pedi a contagem da minha carreira contributiva para a Segurança Social.
Mary entre Álvaro Jorge e Jorge Alves
Fiz prova para admissão no RCP, Jaime da Silva Pinto e Júlio César (pai) aprovaram-me, escrevi e li o primeiro noticiário a tremer, com a Dona Mary – figura lendária do RCP e da rádio – a fazer a locução de continuidade e tricot, olhando para mim por cima dos óculos. Eu tremia e as folhas do noticiário também. Foi no horário das duas da tarde no qual a Mary certo dia se enganou nas chaves e botões que tinha ma mesa de locução, carregou no botão do intercomunicador e anunciou: Rádio Clube Português, Parede, Portugal; depois abriu a chave do microfone e deu ordens para a central técnica: Ó Grilo, mete o Tide. No RCP encontrei a equipa dos Noticiários constituída por Luís Filipe Costa, Justino Moura Guedes, Paulo Fernando, João Macieira de Barros (que estava de saída para o serviço militar), Cândido Mota, Firmino Antunes (no desporto); depois foram chegando Jorge Dias, Jorge Moreira, Manuel Bravo, Fernando Quinas. 
Luís Filipe Costa
Os Noticiários do RCP, sob a chefia de Luís Filipe Costa deram a volta ao texto e à atitude dos noticiários da rádio: linguagem directa, frase simples, período curto, sentido do imediato, ordenação e selecção das notícias pela respectiva importância. O Luís Filipe Costa ensinava-nos sem nos dar lições. Aprendíamos, fazendo; e toda a gente da rádio aprendeu com o Luís Filipe Costa mesmo os que hoje não saibam quem é o Luís Filipe Costa. 
Estive dez anos nos Noticiários do RCP, incluindo os dois anos de tropa: comecei com o assassínio de John Kennedy, a escalada da Guerra do Vietnam, a explosão do rock ‘n rol, o Maio de 68, a doença, sucessão e a morte de Salazar, o golpe no Chile e assassínio de Allende. 
Noticiaristas do RCP meio século depois: Paulo Fernando,
João Macieira de Barros, Luís Filipe Costa, JPG, Cândido Mota
e Manuel Bravo
Em Outubro de 1973 recebi a medalha de 10 anos de bons serviços; no mês seguinte fui despedido. Pressões do SNI: eu participara num colóquio sobre Liberdade de Imprensa no âmbito da “campanha eleitoral” de 1973.
1963 – 1973 – Há mais rádio e outros meios para além do RCP. Entre 63 e 73, trabalhando nos Noticiários do RCP e colaborei em diversos jornais e programas de rádio: escrevi no suplemento A Mosca, do Diário de Lisboa, suplemento Cena 7, de A Capital, A Memória do Elefante, fui locutor e repórter nos programas PBX (1967 – 69), na Onda Média do RCP, meia-noite às duas, e no Tempo Zip (1971 – 1972), OM da RR, do qual cheguei a ser realizador no último ano de vida do programa. As equipas de ambos os programas foram distinguidas com Prémios da Imprensa, em 1968 e 1972.  Neste ano, no Teatro São Luiz, tive a honra de receber o troféu da rádio com José Afonso, Prémio de Música.
Fialho Gouveia e Carlos Crus 
O PBX foi a revolução na rádio lançada por Carlos Cruz e Fialho Gouveia mas também pelo José Nuno Martins – a linguagem, a comunicação e a técnica, a montagem quase cinematográfica das reportagens –, como pelos sonoplastas Luís Alcobia, Fernando Jorge, António Ricardo, José Ribeiro e Alberto Moreno (no PBX), os mesmos, mais José Videira no Tempo Zip. O programa de rádio seguiu-se ao grande êxito de televisão Zip Zip, realizado por Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado, com José Nuno Martins. Eu e o Rui Pedro ficámos a fazer o PBX, após a decisão de Carlos Cruz e Fialho Gouveia se afastarem. Em menos de um ano saí também e juntei-me à equipa inicial do Tempo Zip.
Paul McCartney no Algarve, em Dezembro de 1968,
entrevistado por JPG (PBX) e João Mendes Martins
(Limite) com assistência de Óscar Araújo
O Tempo Zip (4 de Abril de 1970 - 7 de Setembro de 1972) sob a minha realização – com orçamento muito mais limitado – passou a ser um programa de texto ilustrado com reportagens e música. A equipa tinha mantido Joaquim Furtado e José Duarte – que não fazia só jazz – e ganho João Alferes Gonçalves e Luís Bernardo Onwana, jovem novelista moçambicano autor de Nós Matámos o Cão Tinhoso e criativo numa agência de publicidade. Também conservámos analistas da equipa inicial do Tempo Zip.
Tempo Zip no ar, a bordo de um Caravelle,
29 de Março de 1970: José Nuno Martins
entrevista Maria Teresa Horta
A rádio trabalha para auditórios sem rosto mas o Tempo Zip tinha um ouvinte personalizado, D. António Ribeiro, Patriarca de Lisboa desde Maio de 1971. Por vezes, D. António passava à noite pelos estúdios da RR, falava com as pessoas, assistia à realização dos programas, fiz emissões do Tempo Zip com D. António sentado do outro lado da mesa de locução. Ele também fora um homem da comunicação e grande comunicador e creio que essa vocação não lhe passou. Em algumas noites, quando transmitíamos reportagens fortes sobre temas sociais – habitação degradada, baixos salários, despedimentos, condições de trabalho e de vida – telefonava-nos o secretário do Patriarca: Ouvimos e apreciámos; continuem!

Página 1:José Manuel Nunes, Adelino Gomes, Homero Cardoso;
Tempo Zip: José Videira, Joaquim Furtado, João
Alferes Gonçalves, o jornalista Daniel Reis, autor da reportagem
sobre sobre a Rádio Nova, e João Paulo Guerra.
Citado por  Rogério Santos in Indústrias Culturais blogspot
O Tempo Zip acabou em Setembro de 1972. Quando a organização Setembro Negro sequestrou e matou 11 atletas da equipa olímpica de Israel, o Tempo Zip tinha um enviado em Munique para seguir os JJOO. Mas resolvi acrescentar à reportagem do enviado, especial naquele dia, um editorial do Adelino Gomes que fora visado pela Censura e transmitido no programa Página 1. A repetição foi o motivo para a Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT, ex-SNI) exigir o meu despedimento aos produtores do programa, procedendo de igual modo quanto a Adelino Gomes e ao Página 1. Ou os produtores aceitavam despedir os dois jornalistas ou os programas cessavam, tais foram as exigências apresentadas pelo funcionário do Palácio Foz Pedro Feytor Pinto. Sei o que se passou no meu caso: os produtores do Tempo Zip, Organizações Zip Zip associadas à editora Sassetti, recusaram a exigência do Governo e o programa terminou; o Adelino Gomes foi despedido.
Prémios da Imprensa 1972: José Afonso (Prémio da Música),
entrevistado para o Notícias da Amadora por José Freire Antunes,
Mário Reis (então livreiro, agora na restauração), JPG (Tempo Zip)
Na sequência deste caso, o director-geral da Informação, Geraldes Cardoso, dirigiu uma carta a todas as estações de rádio, alertando que Adelino Gomes e João Paulo Guerra, despedidos de programas na RR, procurariam eventualmente trabalho. Do ponto de vista governamental, não era conveniente dar-lhes abrigo. Li a carta dois anos mais tarde, quando me foi mostrada pela direcção militar da Emissora Nacional, após o 25 de Abril.  
Um ano após a carta de Geraldes Cardoso fui despedido dos Noticiários do RCP, por um motivo fútil, o de ter participado numa sessão sobre liberdade de imprensa promovida pela CDE e integrada na campanha, pública e legal, para as “eleições” de 1973.
Eu escrevia e continuei a escrever. Durante o serviço militar em Moçambique escrevi para jornais de Moçambique e escrevi para a revista do RCP, Antena, uma reportagem sobre a guerra: "Tentarei dar aos leitores de 'Antena' um aspecto concreto da guerra que se processa no Norte de Moçambique. Escolhi para tal esta operação [deslocação de uma companhia de caçadores, reforçada com um destacamento de Engenharia, no Niassa, partindo de Vila Cabral para se instalar na povoação de Olivença], em que participei como alferes miliciano, atirador de infantaria e que tentei observar com a frieza e isenção de noticiarista."
De maneira que saí do RCP num dia do final de Novembro de 1973 e no dia seguinte estava a trabalhar no projecto de um novo semanário. 
No entanto…

(continua)  

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