Bissau estuda pedido de extradição a Portugal
Por
João Paulo Guerra, Diário Económico,
12 de Outubro de 1999
12 de Outubro de 1999
João Bernardo Vieira "Nino" |
O
Procurador-geral da República da Guiné-Bissau, Amine Saad, viaja hoje de Bissau
para Lisboa e durante a sua permanência em Portugal vai analisar as condições
para formalizar o pedido de extradição do ex-presidente guineense, João
Bernardo Vieira “Nino”, acusado no seu país, entre outros crimes, da autoria
moral do assassínio de um cidadão português.
«Vamos
pôr em causa o estatuto de refugiado político concedido por Portugal a João
Bernardo Vieira», disse ontem ao Diário Económico Amine Saad, acrescentando que
só depois avaliará as condições para avançar com o pedido de extradição.
Segundo
o PGR guineense, «“Nino” Vieira não é perseguido politicamente na Guiné-Bissau,
uma vez que até foi entregue pela Junta Militar à Embaixada de Portugal» mas «é
indiciado de vários tipos de crimes comuns», entre os quais se conta a alegada
autoria moral da morte de um cidadão português, pelo que não se lhe pode
aplicar o estatuto de refugiado político.
Amine
Saad, que passará em Lisboa em trânsito para Luanda, vem encontrar-se com o PGR
português, Cunha Rodrigues, com quem analisará diversos processos pendentes em
Bissau contra “Nino” Vieira, alguns dos quais investigados com a colaboração da
Polícia Judiciária portuguesa. A audiência concedida por Cunha Rodrigues a
Amine Saad está marcada para o fim da manhã de amanhã, confirmou ao DE fonte da Procuradoria, em Lisboa. O
nosso jornal sabe também que Amine Saad aproveitará a audiência para pedir a
Cunha Rodrigues apoio para a formação de quadros do Ministério Público do seu
país.
"Nino" Vieira |
Nos
termos da legislação portuguesa, o pedido de extradição deverá ser apresentado
ao Governo português e será depois apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O ex-presidente guineense pediu asilo político a Portugal após ter sido
deposto, em Maio passado, pela acção de uma Junta Militar liderada pelo
brigadeiro Ansumane Mané. Oficialmente, “Nino” Vieira reside desde então em
território português, nos arredores de Vila Nova de Gaia, e apenas tem sido
autorizado a sair para receber cuidados médicos em hospitais franceses,
sendo-lhe igualmente vedado o exercício de qualquer actividade política em
Portugal.
Amine Saad |
O
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) respondeu a uma pergunta deste
jornal informando que «o ex-presidente da Guiné-Bissau, João Bernardo Vieira,
goza do estatuto de refugiado em Portugal, tendo-lhe sido emitido o cartão de
identidade de refugiado», de acordo com as leis portuguesas. A resposta por
escrito do SEF não contempla uma parte da pergunta formulada relativa à
permanência de “Nino” Vieira, neste momento, em Portugal. Mas fontes
diplomáticas e militares portuguesas adiantaram ao DE que “Nino” Vieira não se
encontra de facto a residir permanentemente em território português, tendo-se
fixado, pelo menos temporariamente, num país da costa ocidental africana.
Segundo
essas fontes, as autoridades portuguesas teriam «fechado os olhos» ao facto de
João Bernardo Vieira se ter ausentado de Portugal precisamente devido ao
melindre do nosso país albergar o alegado autor moral do assassínio de cidadãos
portugueses.
O
embaixador de Portugal em Bissau, António Dias, não foi informado sobre os
objectivos da visita de Amine Saad a Lisboa. «Não fui informado oficialmente»,
disse António Dias ao Diário Económico,
acrescentando saber apenas que o PGR guineense pediu um visto para Portugal,
para si próprio e para colaboradores seus, que «obviamente lhe foi concedido».
"Nino", em Portugal, com os seus cônsules, Valentim Loureiro e Manuel Macedo |
Sobre
as acusações concretas contra “Nino” Vieira o representante diplomático
português também não foi informado pelas autoridades guineenses e tem
conhecimento apenas, «com o valor que isso tem», do que é voz corrente na
capital da Guiné Bissau sobre a alegada responsabilidade do ex-presidente no
assassínio de, pelo menos, um cidadão português. O caso diz respeito ao
português Jorge Quadros, que desempenhou em Bissau funções como «assessor de
imagem» de “Nino” Vieira.
Fontes
ligadas ao aparelho da justiça guineense revelaram no entanto ao DE que a
investigação realizada em Bissau aponta para que Jorge Quadros tenha sido
«assassinado em 1993 por ordem directa de “Nino”, por saber demais em relação a
outros casos» que envolviam o então presidente guineense. Recentemente, o
Ministério Público guineense deteve os presumíveis assassinos do português
Jorge Quadros identificados como pertencentes à Segurança de Estado do
ex-presidente João Bernardo Vieira.
João Paulo Guerra,
Diário Económico, 12 de Outubro
de 1999
Os sujeitos de uma notícia
Funeral de "Nino" em Bissau |
João Bernardo Vieira –
O ex-presidente, asilado em Portugal em 1999, regressou a Bissau em Abril de
2005, após novo golpe de estado que derrubou o então presidente Kumba Yalá.
“Nino” Vieira foi autorizado pelo Supremo Tribunal de Justiça de Bissau a
concorrer às eleições de Junho desse ano, julgando-o elegível apesar dos
processos que pendiam contra ele. Vieira ficou em segundo lugar, disputando uma
segunda volta com o candidato do PAIGC, Malam Bacai Sanhá, que venceu, tomando
posse de novo como presidente da Guiné-Bissau em Outubro de 2005. Em Março de
2009, após o assassínio do chefe de Estado Maior das Forças Armadas, o
presidente foi morto a tiro e à catanada por militares que assaltaram e saquearam o palácio
presidencial.
Jorge Quadros - Oficialmente contratado pelo secretário da propaganda do regime como assessor de imagem, o cidadão português montou no Palácio Presidencial, a pedido do Presidente guineense, um sistema de câmaras de segurança que se lhe tornou fatal: ficou a saber demais. Os suspeitos identificados em Setembro de 2009 como assassinos do português pertenciam todos à segurança e contra-espionagem do regime de "Nino" Vieira, incluindo o próprio chefe da segurança do regime, um coronel que se refugiou o Senegal. Nenhum dos suspeitos foi julgado.
J.P.G. 2016
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