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terça-feira, 10 de julho de 2018

Gonçalo Ribeiro Teles: Qualidade devida

Por João Paulo Guerra, Diário Económico, Janeiro de 2001


Chovia em Lisboa, no dia do almoço com o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles e, sempre que chove, Lisboa revive a memória de inundações devastadoras. O arquitecto tem ideias sobre o que fazer para afastar esse fantasma da cidade, mas a pressão e os interesses imobiliários são muito mais poderosos que as ideias e valores deste homem de 78 anos, com uma vida dedicada à paisagem e um pensamento estruturado sobre a cidade, a terra, o ordenamento do território. É um bom conversador que fala com entusiasmo e convicção de algo tão essencial, mas tão desprezado, como seja a qualidade de vida. E esta foi a entrada da conversa e do almoço. Falámos do tempo. O prato forte foi a cidade e o campo e à sobremesa lá veio a política.


Professor jubilado da Universidade de Évora, Gonçalo Ribeiro Teles trabalha actualmente nos estudos prévios do «Plano Verde» de Lisboa, procurando recuperar as «ilhas de verdura da cidade». A questão é que a reabilitação da cidade, como da periferia, está condicionada por décadas de loteamentos e construção que transformaram Lisboa numa área «fechada e desumana».
«Não houve o cuidado que planear a estrutura ecológica e agora resta-nos recuperar», diz, acrescentando que ainda hoje a generalidade dos governantes tem «uma consciência ecológica ultrapassada» e a grande maioria dos municípios rege-se por «ideias do século XIX». Os logradouros, azinhagas, hortas e quintais deram lugar a habitações clandestinas, a caves, arrecadações, oficinas e espaços de estacionamento, a loteamentos de betão. Lisboa perdeu qualidade. A altura dos prédios roubou luz à cidade, aumentando as correntes de vento e a poluição.
E não só, acrescenta o arquitecto. «Na Europa, hoje, a nova construção para habitação não excede três a quatro pisos», pois está provado que as torres de betão são um factor directamente proporcional «ao crescimento da marginalidade, da criminalidade e do vandalismo». Mas ultrapassar o urbanismo convencional é um combate desigual. Do outro lado, diz o arquitecto Ribeiro Teles, estão «a rotina dos técnicos, os interesses dos investidores e o facto das obras não serem visíveis e inauguráveis».
Autor dos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, entre muitas outras obras de Lisboa, Gonçalo Ribeiro Teles cita com frequência, em latim, o que parece ser a sua divisa - «urbe et ager», cidade e campo – e o seu sonho: levar a cidade ao campo, trazer o campo à cidade. Na sua opinião, a par dos espaços públicos, os quintais e logradouros privados da antiga Lisboa, para além da valorização estética da cidade, teriam ainda hoje uma função insubstituível «para a circulação da água, a amenidade do clima, o combate à poluição».  

Gonçalo Ribeiro Teles foi o primeiro governante da área do Ambiente após o 25 de Abril. No primeiro Governo Provisório, por decreto, anulou a legislação que ameaçava o Parque de Monsanto com o avanço indiscriminado do cimento armado. Posteriormente, nos governos de Pinto Balsemão, foi autor de legislação que criou a Reserva Agrícola e a Reserva Ecológica. Mas hoje os campos estão desertos e o entrevistado não tem dúvidas que esse é o preço pela «falta de uma política de ordenamento que considerasse a agricultura, instalando as populações rurais em condições sociais de dignidade».
Crítico dos actuais projectos de ordenamento do território, Ribeiro Teles considera que, ao distinguir solos urbanos e rurais, estes muito mais baratos, a legislação abrirá caminho ao rápido avanço da especulação e da urbanização sobre os solos rurais. Quanto à Política Agrícola Comum, a sua apreciação é radical e definitiva: «A PAC é dominada por economistas e a agricultura é uma humanidade». Na sua opinião, e ao contrário do pensamento económico, «não se trata simplesmente de aumentar a produção, mas de equilibrar o tempo com a regeneração dos recursos».
Monárquico por formação e militância, opositor à ditadura salazarista, Gonçalo Ribeiro Teles considera ainda hoje que a monarquia constitucional seria «a única forma de assegurar o funcionamento da democracia», com «representação permanente» através de uma «instituição personalizada e não acidental». Como sempre na eleição para o Presidente da República, no próximo dia 14 irá votar em branco.
E votaria no actual candidato ao trono de Portugal, quis saber o jornalista? Gonçalo Ribeiro Teles contorna a pergunta: «A monarquia começou com a eleição do rei. Depois, a hereditariedade ultrapassou a eleição».

Ementa
Os legumes eram uma «ilha verde» no prato do arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles, no almoço com o jornalista do DE, no velho Martinho da Arcada, em Lisboa. No cenário marcado por fotografias do poeta em Pessoa, o arquitecto encomendou dourada grelhada, que acompanhou com legumes e temperou com azeite. Bebeu água, para sobremesa pediu maçã assada e no fim da refeição tomou café. 
O jornalista do DE mandou vir arroz de bacalhau e não se arrependeu.

Por João Paulo Guerra, Diário Económico, Janeiro de 2001

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